O transformador de potência é um dos principais equipamentos do sistema elétrico e tem como função principal a adequação do nível de tensão para geração, transmissão, distribuição e consumo. Dentro desse contexto, esse equipamento além de ser vital para operação do SEP é também um dos ativos mais caros, sendo necessário cuidados especiais para preservar suas características ao longo da sua vida útil. Portanto o tema de hoje vai ser abordado sobre uma das proteções mais importantes para esse equipamento que é a diferencial (87T). Essa proteção pode ser aplicada também a outros equipamentos, mas hoje será analisado sua utilização especifica para transformadores de potência. No caso dos transformadores essa proteção é utilizada normalmente em transformadores que possuem tensão primária igual ou superior a 69kV, abaixo disso não é comum ter essa proteção.
O que é a proteção diferencial (87T)?
A proteção diferencial consiste em realizar a aquisição de corrente na entrada e saída do equipamento protegido para verificar se a corrente que entra é a igual à corrente que sai. Essa função de proteção tem um funcionamento similar ao dispositivo DR utilizado em instalações residenciais. Ou seja, uma diferença entre a corrente que passa pelos TC’s indica que há um caminho de fuga nessa região, o que pode ter sido uma falta ou curto-circuito a possível origem dessa diferença de corrente.
Ao mencionar o principio básico de funcionamento da proteção diferencial você deve estar se fazendo algumas perguntas, especialmente devido as características do transformador. Você pode estar se questionando algumas questões, como por exemplo:
· A corrente do primário não é diferente em módulo da secundária?
· E o defasamento angular entre a corrente primária e secundária?
· E se o transformador estiver a vazio, a proteção vai atuar?
· Quando eu energizar esse transformador a proteção atua?
· E se o transformador tiver comutador de tap, influencia de alguma forma?
· Porque essa proteção só atua para faltas internas ao TC?
Tenho certeza que pelo menos um ou quem sabe todos esses questionamentos pode ter passado na sua cabeça. Portanto, vamos detalhar caso a caso e mostrar como contornar esses problemas para que a proteção diferencial opere e funcione de maneira adequada.
Como funciona a proteção diferencial?
Para entender um pouco dessa proteção vamos voltar um pouco lá atrás na época dos relés eletromecânicos onde essa função já era utilizada aplicando-se dois tipos de relés basicamente:
– Relé Diferencial Amperimétrico
No caso do relé diferencial amperimétrico a gente tinha dois TC’s em série com o elemento protegido para fazer a aquisição de corrente que entra e que sai, e uma bobina onde passará a corrente diferencial(I1-I2) levando a atuação ou não da proteção a depender da regulagem do relé de proteção.
Suponha então um transformador de 10MVA – 138/13,8kV. Para esse transformador você terá as seguintes correntes nominais:
Logo para eu casar as correntes I1 e I2 que são as correntes secundárias dos TC’s do lado primário e secundário respectivamente, eu teria que utilizar as seguintes relações de transformação.
TC do Primário: 50:5 – RTC = 10
TC do Secundário: 500:5 – RTC =100
Perceba que dessa forma se minha corrente for igual a 30A, a corrente será de 300A.
Sendo assim as correntes no secundário do TC poderão ser calculadas da seguinte forma:
Ou seja, ao dimensionar os TC’s dessa forma as correntes seriam iguais e a não haveria corrente que circularia pela bobina do relé, não sensibilizando a proteção. Acontece que os cálculos feitos anteriormente retratam uma condição ideal de funcionamento, porém na prática não é isso que acontece, pois na vida real temos que considerar os seguintes fatores:
· Erros de Leitura dos TC’s
· Casamento de impedância entre os TC’s inviável
· Grupo de Ligação do Transformador e Defasamento Angular
Portanto o relé diferencial amperimétrico logo foi substituído por outro tipo de relé diferencial.
– Relé Diferencial Percentual
No caso do relé diferencial Percentual além de você ter uma bobina de operação, você tem duas bobinas de restrição. Ao colocar essas duas bobinas você irá comparar essa corrente chamada de restrição, que é proporcional a corrente que flui pelo elemento protegido com a corrente de diferencial ou de operação.
A bobina de restrição irá criar um torque em oposição ao torque gerado pela bobina de operação, de forma que o relé só irá operar quando a corrente de operação for maior que a corrente de restrição. Nesse caso falamos que a razão entre a corrente de operação e restrição irá criar duas regiões conforme pode ser visto a seguir:
O Slope mostrado no gráfico acima, pode ser calculado como a razão entre a corrente de operação e restrição. Esse esquema de proteção é o mais adequado para se trabalhar a função diferencial, tanto é que os relés digitais atuais emulam essa condição dos relés eletromecânicos antigos.
Defasamento Angular e Componente de Sequência Zero
Além da diferença de módulo já mencionado anteriormente entre as correntes primárias e secundárias que faz com que eu tenha que utilizar TC’s com relações diferentes dos dois lados, eu ainda devo me preocupar com o defasamento angular e corrente de sequência zero. Isso ocorre devido a característica do grupo de ligação do transformador, veja o exemplo abaixo:
Perceba que o transformador a ser protegido está ligado em estrela no primário e o secundário em delta, com grupo de ligação Yd11. Nos relés eletromecânicos a correção era feita alternando as ligações dos TC’s do lado primário e secundário, dessa forma eu teria a seguinte situação:
Perceba que no lado do primário o TC foi ligado em delta e no secundário o TC foi ligado em estrela. Essa forma de conexão além de compensar a defasagem angular entre as correntes também irá filtrar as componentes de sequência zero do primário, fazendo com que a proteção não opere de forma incorreta. Essa solução era utilizada para os relés eletromecânicos e indispensáveis para o funcionamento dessa função para proteção dos transformadores. Porém hoje com a utilização de relés digitais, essas compensações são feitas internamente pelo relé, e a filosofia de ajuste vai depender de cada fabricante.
Siemens – Informa o grupo de ligação do Trafo protegido
SEL – Aplica-se matrizes de compensação em cada lado do transformador
Transformador a Vazio – Corrente de Excitação
Uma outra característica do transformador onde deve-se tomar uma medida para que a proteção não atue de forma indevida é para a operação do transformador a vazio. Como sabemos quando o transformador está vazio, há circulação de corrente somente pelo seu primário. Sendo assim se nada for feito, naturalmente o relé irá operar pois a corrente no secundário é 0A e a corrente diferencial é igual a corrente do primário.
Para contornar esse problema de forma bem fácil e direta, deve-se ajustar uma corrente de partida ou pick-up no relé diferencial, de forma que a proteção só começa a ser sensibilizada para correntes superiores a ajustada. O ajuste dessa corrente de Pickup deverá ser maior que a corrente a vazio do Trafo necessariamente, sendo ajustada normalmente na faixa de 0,1 a 0,3 vezes a corrente nominal do equipamento.
Energização do Transformador
Um outro fenômeno, porém, transitório que deve ser contornado para não atuar a proteção diferencial é a corrente Inrush ou energização do transformador. Essa corrente circula somente pelo enrolamento primário do transformador sendo assim devemos utilizar algum método que impeça a atuação da função diferencial. É sabido que a corrente de Inrush em transformadores dura aproximadamente 06 ciclos, o que é equivalente a 100ms. Além disso essa corrente possui uma característica de possuir uma quantidade de harmônico elevada, conforme podemos na tabela a seguir:
Como vimos na tabela acima a componente de segunda harmônica é bastante elevada no momento da energização, sendo ela a mais utilizada para evitar a atuação da proteção diferencial. De forma simplificada quando o relé verificar a presença de um percentual de 2° harmônico previamente ajustado pelo projetista, ele irá bloquear a atuação da proteção diferencial entendendo que o relé de proteção está magnetizando. Existem alguns métodos de bloqueio de harmônico que podem ser utilizados:
· Bloqueio Independente
· Bloqueio Cruzado (Crossblocking)
· 2 de 3
· Bloqueio por média
Para aprofundar no assunto é recomendado ler artigo da SEL sobre o assunto.
Comutador de Tap no Primário
Outra questão que também deve ser levado em consideração e vale a pena nossa análise é a questão do comutador de TAP. Normalmente o comutador é instalado no lado primário e devemos levar em consideração o equipamento trabalhando no TAP Máximo e Mínimo, verificando qual o maior erro possível. Para entender isso na prática vamos fazer o seguinte exemplo:
Falta Externa – Porque a proteção não atua e cuidados que se deve tomar…
Muita gente se pergunta o porque da proteção diferencial não atuar para faltas externas e a explicação direta e simples é que nessa condição a corrente que passa no TC do primário é a mesma que passa no TC do secundário.
Porém para garantir que essa proteção não irá atuar para esse tipo de falta, é importante avaliar se os TC’s foram dimensionados de tal forma que eles não irão saturar para uma falta passante, sendo fundamental avaliar esse critério para o dimensionamento correto dos TC’s. A metodologia de cálculo da tensão de saturação já foi abordada em outros artigos e deve ser revisto para entendimento do procedimento a ser realizado.
Conclusão
A proteção diferencial em transformadores garante uma alta confiabilidade de atuação para defeitos internos no equipamento e dentro da zona de proteção que é demarcada pelos TC’s. A utilização e aplicação dessa função de proteção para esse equipamento possui algumas particularidades que devem ser levadas em consideração na hora do seu dimensionamento.
Por: Mesh Engenharia
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