Os transformadores de corrente são equipamentos utilizados em sistemas de média e alta tensão com 02 objetivos principais:
– Adequação do valor de corrente do primário e secundário
– Prever isolação elétrica entre o sistema de alta e baixa tensão
O sinal de corrente no secundário dos TC’s pode ser conectado em diversos dispositivos com finalidades diferentes, sendo as principais medição e proteção.
Saturação do TC – Entendendo o fenômeno
Muitas pessoas pensam que a saturação do TC está associada com a corrente que circula nos enrolamentos, porém na prática não é isso que acontece. A saturação do TC está relacionada com as características construtivas do equipamento que possui um núcleo ferromagnético e bobinas enroladas em cima desse núcleo.
A corrente alternada que circula no enrolamento primário do TC irá induzir uma tensão nesse enrolamento que gerará um fluxo alternado que percorrerá o núcleo ferromagnético polarizando os dipolos magnéticos até cruzar com o enrolamento secundário induzindo uma corrente equivalente a corrente primária dividida pelo RTC.
O núcleo magnético possui um número fixo de dipolos magnéticos que idealmente ficam distribuídos de forma aleatória pelo núcleo ferromagnético. No momento que o campo magnético alternado(H) é gerado pela circulação da corrente primária esses dipolos magnéticos irão se orientar na mesma direção do campo produzindo um fluxo magnético (⦰) . No momento que todos os dipolos magnéticos estiverem alinhados com o campo magnético, a densidade de fluxo (B) é máxima tal que o núcleo não consegue mais condensar linhas de campo, dizemos então que ele se encontra saturado.
A relação entre a intensidade de campo magnético (H) e densidade de campo magnético (B) é dada pela curva B-H também chamada de laço de Histerese. A área do laço de Histerese vai depender do material ferro magnético utilizado e a sua suportabilidade desse material ao campo magnético.
Para entender o fenômeno da saturação devemos analisar duas situações distintas: Simétrica e Assimétrica.
Saturação Simétrica
Como falamos anteriormente a saturação do TC está relacionado ao seu núcleo ferromagnético e esse por sua vez vai depender da densidade do campo magnético(B). Essa grandeza está relacionada com fluxo, portanto podemos associá-la a tensão. Daí a expressão “O que satura TC não é corrente, mas sim tensão”, portanto é essa grandeza que devemos dimensionar para verificar se o equipamento irá saturar para pior condição de curto-circuito.
No primeiro meio clico positivo da corrente o campo magnético está polarizando os dipolos em uma determinada direção. À medida que a corrente no primário chega uma amplitude tal que o núcleo não consegue concatenar mais linhas de fluxo, a corrente(Is) e a tensão(Vs) secundária tendem a zero, ceifando a forma de onda de corrente e tensão. Quando o fluxo muda de direção e começa despolarizar os dipolos magnéticos antigos, volta-se a ter circulação de fluxo magnético e a tensão e corrente voltam a valores diferentes de zero.
A característica da forma de onda da corrente irá depender da natureza da carga conectada no secundário. Cargas resistivas esse decaimento é linear vertical, já para cargas indutivas segue uma constante RL de forma exponencial e mais suave.
Saturação Assimétrica
A outra forma de saturação existente é a assimétrica. Isso ocorre devido a natureza da corrente de curto-circuito ter uma componente DC elevada deslocando a curva no eixo y. Dessa forma o semi-ciclo positivo e semi-ciclo negativo não são simétricos, fazendo com o que o TC chegue à condição de saturação de forma mais rápida. Contudo esse fenômeno é visto por um tempo de 0,5 ciclo de corrente.
Pelo fato da forma de onda está deslocada os dipolos magnéticos do núcleo magnético não irão conseguir se polarizar no outro sentido e rapidamente ficará alinhado em uma direção saturando o equipamento.
Cálculo da Tensão de Saturação
Para garantir que o TC não irá saturar para pior condição de curto-circuito garantindo leitura de corrente adequada e consequente atuação da proteção, devemos calcular as tensões de saturação AC e DC da seguinte forma:
Saturação AC
Para cálculo da tensão de saturação AC devo considerar a carga conectada no secundário do TC, corrente de curto-circuito e o seu RTC.
Dessa forma temos que:
Saturação DC
Para cálculo da tensão de saturação DC devo considerar ainda a relação X/R do curto-circuito:
Porque o critério de 20 x In não é correto?
É comum a gente ver em normas de concessionárias brasileiras um critério pouco aprofundado sobre o dimensionamento do TC. A recomendação dessas normas é de pegar o maior valor de curto-circuito e dividir por 20, devendo ser adotado um TC maior que o valor encontrado. Porém esse critério só é verdadeiro, se e somente se estiver conectado no secundário do TC a sua carga nominal (burden). Isso nos remete duas situações distintas:
1ª Situação: Carga conectada no secundário do TC maior que o Burden
Nesse caso você terá uma redução no fator de 20 x In devido a carga conectada no secundário ser maior que o Burden do TC. Se a carga for 20% maior que o burden por exemplo a máxima corrente que pode circular no TC sem que ele sature é de 16 x In.
2ª Situação: Carga conectada no secundário menor que o Burden
Nesse caso você terá um aumento no fator de 20 x In devido a carga conectada no secundário ser menor que o Burden do TC. Se a carga for 20% menor que o burden por exemplo, a máxima corrente que pode circular no TC sem que ele sature é de 24 x In.
A explicação das situações listadas acima está relacionada com o cálculo da tensão de saturação secundária do TC, que irá depender do fator de multiplicidade, corrente nominal e impedância burden conforme mostra a equação abaixo retirada da NBR6856:
Para o M adotado de 20 que é o padrão utilizado no Brasil, as situações descritas acima são válidas.
Problemas da Saturação do TC e como mitigar seus efeitos
Existem algumas formas de mitigar a saturação do TC que podem se listados acima:
- Reduzir a carga do secundário do TC aumentando seção do cabo ou colocando mais um cabo em paralelo
- Aumentar a relação de transformação do TC
- Utilizar as duas estratégias de formas conjuntas
Deve-se realizar essas ações de forma a não prejudicar a sensibilidade do relé, e que a corrente de carga no secundário seja tal que o relé consiga fazer a leitura.
E quais as implicações do TC saturar?
A saturação do TC pode causar problemas de atuação da proteção visto que a corrente do secundário não corresponde exatamente a do primário conforme expliquei anteriormente. Nesse caso o tempo de atuação da proteção pode não ser rápido o bastante e trazer prejuízos a vida útil do equipamento protegido.
Como analisar se o TC saturou?
Basicamente para visualizar se o TC saturou devemos analisara a oscilografia e os eventos do relé de proteção. Para conseguir visualizar a forma de onda da forma correta devemos analisar a oscilografia bruta, sem ser filtrada também chamada em inglês de “Raw Event Report”. Dessa forma seremos capazes de visualizar efeitos dinâmicos e transitórios que ocorreram no sistema.
Conclusão
Vimos diversos conceitos importantes do funcionamento do TC que são fundamentais para entender como devemos dimensionar esse equipamento. De forma principal o que causa a saturação do TC é a densidade de fluxo magnético relacionado com a tensão que aparece no secundário do equipamento, sendo, portanto, a grandeza a ser avaliada no dimensionamento para correta operação do sistema de proteção.
Por: Mesh Engenharia